segunda-feira, 11 de abril de 2016

Minha mãe


“Eu apenas queria que você soubesse, que aquela alegria ainda está comigo e que a minha ternura não ficou na estrada. Não ficou no tempo presa na poeira. Eu apenas queria que você soubesse, que esta menina hoje é uma mulher e que esta mulher é uma menina, que colheu seu fruto flor do seu carinho “ (Gonzaguinha)

Desde o dia que minha mãe faleceu, há nove meses atrás, tento escrever sobre ela e não consigo. Hoje ela completaria 83 anos e a saudade aportou mais forte. Tivemos uma relação muito intensa, sempre só emoção, a razão passava longe. Alguns amigos dizem que a cada dia pareço mais com o seu jeito, talvez por isso tenhamos brigado tanto.
Foi a mulher mais corajosa que conheci. Não existia nada impossível, a diferença era apenas querer fazer ou não. Obstáculos eram coisas normais. Adorava a vida e me deixou a impressão que só foi quando quis.
Minha avó contava, que aos 5 anos, minha mãe não aceitava a troca da chupeta, pois naquela época o material usado não era durável. Sem saída, minha vó resolveu deixá-la na casa de seus pais durante uma semana, sem avisá-los do vício. Como a comunicação praticamente inexistia, minha mãe chorou nas primeiras noites e logo depois adaptou-se à nova casa. No dia combinado, quando voltou para buscá-la, minha mãe não quis voltar pra casa. Morou com os avós até casar.
Dessa forma encarou a vida. Quando eu nasci, sou a mais velha de cinco irmãos, já era professora de um grupo escolar, me ensinou a ler em casa, e já entrei na escola para fazer o primeiro ano. Depois de quatro filhos, resolveu fazer faculdade de pedagogia, fez cursos para trabalhar com crianças especiais e aposentou-se como diretora do Instituto de Surdos do Ceará.
Como todas as mulheres, mesmo trabalhando, cuidava de tudo em casa. Era severa e brincalhona. Quando precisava, sabia usar um palavrão como ninguém. Não media esforços para que a gente estudasse nas melhores escolas. Queria que tivéssemos todas as oportunidades possíveis, e cobrava resultados firmemente. Quando eu já estava cursando o segundo grau (como se chamava naquela época), me transferiu de uma escola para outra, no meio do ano que, segundo indicações de seus colegas, preparava melhor para o vestibular. Nunca, nem por brincadeira,  levava em consideração a hipótese de que eu e minha irmã não trabalhássemos.
Separou-se, namorou pela internet, viajou sozinha, tomou seu primeiro porre de vinho aos 60, viveu tudo e do jeito que queria.
Vaidosa, ensinou os netos a lhe chamarem de mãezinha, mas foi uma vó que deixou muitos momentos registrados de alegria e carinho no coração de todos.
Fez três cirurgias no coração e na última o médico nos falou que ela só teria 5% de chance de sobreviver. Viveu quase 20 anos mais, só sossegou quando foi diagnosticada com Alzheimer. Cinco anos antes de sua partida, assumi sua vida e ela entendeu seu momento, não brigou com a doença.
Minha mãe me deixou o ensinamento fundamental em minha vida, o que é ser mulher. Lembro quando criança, durante as aulas de preparação de primeira comunhão, um padre falou pra mim, que as mulheres deveriam obedecer aos pais e posteriormente ao marido, buscar a santidade. Minha mãe me ensinou, durante quase 55 anos juntas, que não devemos obediência a ninguém, e que as santas não são felizes.








5 comentários:

  1. Muito verdadeiro Rita... dona Ileana toda aí nas suas palavras....saudade é uma coisa engraçada mesmo, nunca pára de doer, nunca pára de existir, mas é sempre muuuuuuuuito legal lembrar e reviver todos os momentos...

    ResponderExcluir
  2. Este comentário foi removido pelo autor.

    ResponderExcluir
  3. Lindo prima! Saudades da tia, da minha grande amiga e da Mulher de um coração cheio de bondade. Agradeço à DEUS, por ter tido a oportunidade de vivenciar muitas alegrias e confidências com ela. Te AMO minha grande amiga,você está sempre nas minhas orações. Amor eterno! Saudades!!!

    ResponderExcluir