Hoje acordei com vontade de
chorar. Quem me conhece, bem sabe, que meu coração anda duro e calejado. Mas
andar com esse povo, que respira literatura, faz dessas coisas.
Ao decidir cursar a pós-graduação
em escrita literária, fui guiada pela alegria de ter sábados inteiramente
dedicados à literatura. Não tinha menor ideia se seria capaz de produzir textos
ou de acompanhar as matérias. Simplesmente, fui. Como num espaço sagrado, pisei
com cuidado, conhecendo aos poucos, até onde conseguiria? O primeiro texto, uma
carta a alguém falando sobre o que eu queria escrever, um projeto para um
livro, mas já? Como assim?
Lembrei
de minha tia avó Zê, que amava livros do Pedro Nava e Jorge Luis Borges.
Escondia seus escritos, confeccionava poemas:
“Vivi quantos longos
tempos.... quantos?
Sinto distante por não lembrar.
Como contar nos meus dedos
perros,
Pois que não os tenho
tantos!...”
(Maria dos Prazeres
Fortes)
Minha
tia foi, para mim, o maior exemplo de opressão e resistência. Não se dava a
divertimentos, apaixonou-se por um homem, proibido por ser negro. Não casou,
cuidava dos irmãos, criou minha mãe. Sua alegria estava nos livros. Eu a
instigava, dizia que ela precisava pensar em si, mas se dizia cumpridora de um
destino. Escondeu uma doença até tornar-se fatal, talvez cansada. Escrevi pra
ela:
“...acredito
em nossa comunicação, em herança de amor e desejos. Sinto que esse livro
escreveremos juntas, vamos à forra pela nossa história. Como se ainda
pudéssemos mudar tudo, você se casaria com quem se apaixonara, escreveria seus
romances, poemas e me ensinaria sobre uma vida livre...”
Aos poucos, fui me tornando
integrante de um grupo, que estava ali para sonhar alto, contar histórias,
escrever. Os professores dividiam com a gente o amor pelos livros, apresentavam
autores. Expandi meu universo de leituras e conheci escritores consagrados: Socorro
Acioli, Marcelino Freire.
Escrevi contos, crônicas,
ensaios, resenhas, textos sentidos, ia vivendo algo nunca pensado. Descobri em
mim um repertório voltado para a vida das mulheres, sobre machismo, opressão, e
principalmente, liberdade. Finalizei meu projeto, um livro com 16 crônicas de
memoria, lembranças transformadas em experiências do feminino.
Os sábados de aula encerraram-se.
Ainda sinto muita saudade, embora os tenha trocado pelos novos amigos que
carreguei pra vida. Montamos grupos de estudos, whatsapp e carinho. E ainda
mais, escrevemos um livro, nossa produção coletiva com 52 crônicas. Todos os
tempos do universo, o titulo mais lindo e representativo da nossa união.
Hoje, dia 9 de agosto de
2019. Lançamento do livro com meu primeiro conto publicado. O choro é de
alegria, gratidão e orgulho por estar aqui com meus colegas. De estar vivendo esse
momento da minha vida com tanta entrega e verdade. De deixar-me atravessar
pelas histórias e me inspirar em pessoas que guardo dentro de mim.