sexta-feira, 23 de junho de 2017

A hora da virada

Deixa eu bagunçar você, deixa eu bagunçar você. Deixa eu bagunçar você, deixa eu bagunçar você....” (Liniker)



Um dos primeiros textos desse blog, falei sobre preparar-se para aposentadoria, na ocasião que Ronaldinho, literalmente, pendurava as chuteiras, escrevi:

Urge em nós a preparação para a parada. Aprontar-se para reconhecermos o nosso tempo. É triste vermos pessoas que, independente da grana, não conseguem desligar-se de uma empresa e/ou emprego. Legal mesmo, é fazermos como alguns velhinhos espetáculos, também “fenômenos”, que descobriram outros trabalhos, sem horários e cobranças, só para o deleite e prazer. “

Seis anos depois, estou saindo da empresa onde trabalhei por 35 anos.  A aposentadoria é um momento já descrito no enredo de nossas vidas. Se tudo der certo, vamos envelhecer e nos aposentar. Como sair de casa, casar, ter filhos, trabalhar, mudar de profissão, e outras mudanças, as quais consideramos “normais”. Em todas, passamos quase sempre sem dor e sofrimento. Enquanto a aposentadoria, nos dá medo, nos remete a velhice, a nos tornarmos imprestáveis e desocupados.
Eu, por exemplo, desde o início do ano, me enchi de planos e compromissos. Já estava sem tempo pra nada. Novos compromissos, provas, cursos, ficando doida. Foi então que percebi que estava repetindo um “modus operandi” de sempre. Ansiosa e tensa com resultados.
Parei. Coloquei alguns planos na estante, resolvi celebrar e realizar algumas atividades que sempre quis fazer e o tempo não me permitiu. Terei um semestre sabático, podendo facilmente ser renovado.
Mas não pensem que foi fácil, tem sempre o coleguinha que lhe cobra, e agora? E ainda tem aquele que lhe cumprimenta como o mais novo vagabundo da praça. De vez em quando, tinha que repetir pra mim, que tenho direito a essa parada. Até pra reprogramar um monte de coisa, pensar diferente, fora da caixinha.
Enfim, passei a fase das cobranças e culpas. Lembrando agora dos sonhos que tinha aos 20 anos, alguns realizados, outros deixados pelo caminho, posso atualizá-los aos 56 e partir pra mais uma rodada. É claro que a sensação de tempo é bem diferente, quando jovens temos muito, e agora? Não tenho a menor ideia, mas tenho vitalidade, alegria e vontade. E devo isso ao sentimento que me assola profundamente: a gratidão.
Gratidão pela saudade dos colegas, pelas amizades construídas, por ter tido uma vida profissional cheia de projetos e desafios importantes, e por poder agora partir para mais uma fase da vida com saúde e planos.
Pronta para me bagunçar. Como diz aquela música do Arnaldo Antunes, “não quero morrer pois quero ver como será que deve ser envelhecer, eu quero é viver pra ver qual é, e dizer venha pra o que vai acontecer”. Bora?




domingo, 12 de março de 2017

Dia da mulher não é para festejar!

“Essa moça tá diferente, já não me conhece mais, está pra lá de pra frente, está me passando pra trás. Essa moça é a tal da janela, que eu me cansei de cantar e agora está só na dela botando só pra quebrar”. (Chico Buarque)

Tudo começou com uma estorinha, muito besta por sinal, que a gente foi gerada a partir de uma costela deles. Pronto, até hoje, já nascemos com a pecha de inferiores, tendo que provar a vida inteira que também somos capazes.
Na semana que passou, foi o dia internacional da mulher. Dia, que são publicados, mais uma vez, os péssimos indicadores sobre a violência contra as mulheres, com os quais, convivemos diariamente. Somos o pior país da América do Sul para se nascer mulher, a violência letal contra mulheres aumentou 24% durante a década anterior, a cada hora e meia, uma mulher é assassinada por um homem, em um total de 13 feminicídios por dia. E a cereja do bolo é que vivemos no país que mais mata transexuais no mundo.
O que temos a comemorar? Para mim, muito pouco. Celebro a maior consciência de homens e mulheres em discutir e não mais aceitar esses dados. Embora, ainda acredite, que a maioria dos homens, continua perdido, pois, falta-lhes o entendimento sobre como e porque mudar o estabelecido.
Nossa independência financeira e emocional é a primeira ação, com a qual enfrentamos o machismo.  E a partir daí nos envolvermos com muita firmeza na educação dos nossos filhos, para que os meninos respeitem as mulheres sem machismo, e as meninas não aceitem nenhum tipo de violência.
Recebi inúmeros textos de parabéns, a maioria ressaltando nosso poder de resolver tudo, cuidar de todos, resiliência, entre outras bobagens. Sou uma mulher que criou três filhos, uma menina e dois meninos, sozinha. Amamentei e os eduquei para o respeito a todos, para trabalharem e buscarem viver bem consigo mesmos. Mas nunca fui super nada. Cometi erros, sofri, briguei por nada, chorei muito, escondi minhas fragilidades, fiz um monte de besteira, mas tive muita gente me ajudando. E se hoje me orgulho do que fiz, é porque sou consciente que não damos conta de tudo.
O desaprendizado e a autocrítica é o caminho pra todos enxergarmos com mais clareza as diferenças em que estamos atolados no mundo masculino. Desaprender o que nos foi ensinado como certo e natural, e criticarmos nossas ações sempre nos perguntando se agiríamos da mesma forma entre quaisquer gêneros. Essa reflexão serve para homens e mulheres que se indignam contra as injustiças e violências, as quais fazem parte do dia a dia das mulheres.
Não quero rosas, nem dia da beleza, quero mudanças. É um dia triste, no qual temos certeza que as coisas mudam muito devagar, às vezes até regredindo como atualmente, com péssimas espécies machistas no poder. 
O jeito foi sair pra tomar um vinho com as amigas. Rir da desgraceira toda, dos estereótipos que o machismo nos impõe, mas também nos sentirmos companheiras de jornada e mais conscientes de nossos direitos. Direito a ser mulher hétero, trans, lésbica, bi e travesti. Com filhos ou sem. Direito a ser feliz do jeito que a gente quiser.

P.S. Dedico esse texto à Dandara, que morreu pelo simples fato de ser uma mulher trans e querer seu feliz!