domingo, 30 de agosto de 2020

Bora ficar velho!


 

 

Hoje faço 60 anos. Pensar sobre a velhice é difícil. Não deveria. A gente quer viver muito, mas não quer ficar velho. A obviedade é enterrada e parece ser possível um outro caminho. Não há, e enquanto estivermos vivos, o melhor é conviver bem com o envelhecimento.

É engraçado, mas só agora penso nas incertezas do que virá, como se antes pudesse me assegurar que todo o planejado fosse realmente acontecer. A verdade é que envelhecer traz dúvidas e medos sobre o futuro. Mas certamente, não é sinônimo de se entrevar. Não é sobre realizar exercícios físicos e se alimentar bem, isso é bom pra todos os bichos, em qualquer idade.

Entendo que nos preparamos para o envelhecimento, quando prestamos mais atenção a nós mesmos. Quando deixamos que nossos filhos assumam suas responsabilidades, abandonamos controles fictícios, e principalmente continuamos produzindo e pensando. Não precisamos entregar nosso destino pra ninguém.

Apressar a decrepitude é mais do que comum entre as mulheres, as quais desistem de si, de fazer planos. É muito triste. Recolhem-se, certas que perderam toda a potência de existir. Os rótulos estão aí para serem derrubados. Minha mãe só se entregou quando viu que não dava mais. Gostava de comandar sua vida, de realizar suas escolhas. Lembro o quanto ela resistiu em parar de dirigir, lutava pela sua autonomia. E como seu exemplo me fortalece. Não abrirei mão do que quero.

Usei meu inferno astral para fazer alguns balanços. Resolvi me absolver das agruras em que me meti, sem penitências. Um bom começo é pensar em usar nossa experiência em vez de viver reclamando das perdas inevitáveis.

O viver para mim, só vale sem medo. Gosto de desafios, de continuar aprendendo. Quero rugas leves que mostrem diariamente minha história. Preciso da alegria das conversas, da embriaguez do vinho, do prazer de encher os olhos d’água com o beleza, de admirar o sublime.

Quero estar perto dos que amo, mudar, estudar sobre as pragas da nossa sociedade como o racismo, a homofobia, a misoginia, o machismo. Prestar atenção no mundo, lutar ao lado dos que querem melhorá-lo, torná-lo mais justo. Quero ler livros, ouvir músicas, ir ao cinema, teatro, cercar-me de arte, tão necessária e desprezada em nosso país.

Hoje não posso fazer uma grande celebração. A festa será um bolo em casa com poucos. E esse texto, que demorei a escrevê-lo, pois precisava dele o mais real possível. Nada de romantizar épocas e acontecimentos. Sem amores eternos, com vincos profundos na pele, na praia de biquíni com gorduras sobrando, com o corpo que às vezes dá pane, mas com muita alegria. Brindemos.

 

segunda-feira, 17 de agosto de 2020

Sigo o rumo



Criei esse blog quando fiz 50 anos. Sentia-me oprimida pela idade, insatisfeita com o trabalho, filhos adultos, dúvidas e incertezas. Queria escrever sobre novos caminhos e minha vontade de mudar. Para mim, fazer 50, era ultrapassar uma barreira do que tinha sido e precisava pensar o que seria dali pra frente, o que fazer com a velhice.

Escrevi sobre mim, envelhecimento, amigos, filhos, meus pais, feminismo, o que me vinha a cabeça. Fiz planos e sonhos, que agora, confrontados com a realidade dos quase 10 anos que já se passaram, parecem algo distante. Pois não os faço como ditadores, são apenas os primeiros traços de um desenho que terminarei vivendo. Caminhei levando vários tropeços e quedas. A menopausa, a morte dos meus pais, um câncer. A lembrança ainda me sufoca, procuro o ar. Outras vezes, o tempo ficou tão claro e aberto como a decisão de estudar literatura, ler e escrever. Nessas horas sinto o amor me rondando feito um carinho que alimenta.

Meu blog foi o começo de tudo. Decidi escrever quando viesse a vontade de dizer algo, de pensar coletivamente sobre um assunto que considerava importante. Optei por não definir regras nem horários. Cansada de obrigações, lembrava da disciplina na escola, notas para o bom comportamento, onde precisávamos nos adequar a padrões. Trabalho, diversão, tudo com hora pra chegar e pra sair. Regras, em sua maioria, castradoras da inspiração. Preferia a responsabilidade.

Mas aí, num curso com a escritora Marcia Tiburi, ela falou sobre o significado da verdadeira disciplina: “a do desejo”. O comprometimento com aquilo que queremos. A da frase do Renato Russo: “Disciplina é liberdade”. Tão lindo e profundo. Encontrei minha disciplina, a que tem regras definidas por mim. Uso-a em meus estudos, quero estendê-la a escrita de minhas crônicas.

O outro desafio é encontrar a alegria nesse deserto de solidões, abandonos e mortes. Tarefa árdua com uma doença à espreita, castigando mais os pobres e velhos. A rua, com a alma descoberta por João do Rio, se faz perigosa. Tristeza com o desgoverno que elegemos para nosso país. Homens bárbaros, racistas, homofóbicos, que abominam a cultura. Desprezam as mortes de brasileiros, como se nada significassem aos que ficam.

O cronista, talvez, deva olhar mais para dentro de si, enxergar as mínimas coisas que trazem alegrias ou tristezas no dia a dia. Animar-se com os que estão por perto. Descobrir novas paisagens nas antigas janelas. Falar sobre o novo habitual. Buscar inspiração nos livros, que nos transportam para outros tempos e lugares, nunca vistos ou existidos. Usar as palavras para amenizar a dor e a indignação, mas também para disseminar a alegria e esperança. Sigamos.