terça-feira, 19 de março de 2019

Crônica de uma despedida




Encontros continuam sendo um mistério pra mim. Olhamos para alguém e simpatizamos sem a menor explicação prévia. Intuitivos, espirituais e inexplicáveis. Foi assim meu primeiro encontro com ela, olhares seguidores, falantes e solícitos. Fui embora, cética e certa que a esqueceria na próxima esquina. Mas já estava tudo resolvido, quando voltei depois de uma semana, ela já me esperava.
Nossa vida juntas durou quase 12 anos, onde só coube amor, amizade e alegrias. Minha Luna. Típica leonina, cheirosa demais, adorava festas, gente em casa e banho de mar. Ciumenta, reclamava se não estivéssemos lhe dando a devida atenção. No carro, chorava pra ir no meu colo, mesmo estando na direção, e com a janela aberta para curtir o vento. Companheira de praia, estudos, músicas, dias tristes, de todos os dias. Por ela, não nos separaríamos por nada.
Só entendemos o amor dos animais depois de nos apaixonarmos por um. Eles têm o dom do amor absoluto, sem amarras, sem julgamentos, só entrega. Uma relação de prazer e carinho.
Um dia os cientistas ainda irão descobrir que a divisão entre homens e bichos como racionais e irracionais está totalmente incorreta. Nós somos os irracionais. Somos nós que matamos por ódio, somos nós que não aceitamos a cor, o credo, a vida do outro. Estamos sempre prontos a julgar, a apontar o dedo. Queremos armas para nos defendermos de nós mesmos. Guerras, fome, assistimos como a um filme.
Nélida Piñon, em seu “livro das horas”, narra sua decisão de deixar tudo determinado em seu testamento, caso morresse antes de seu pinscher, Gravetinho Piñon, “seu grande e eterno amor”, e justifica: “não estava preparada para esse amor”. Nunca estamos, por isso a despedida é tão dolorosa.
Gravetinho se foi antes dela, e minha Luna, antes de mim. Hoje sou só dor e saudade. O vazio da sua ausência é enorme. Difícil escrever sobre o que estou sentindo. Difícil entender os sentimentos de perda e angústia. Vontade de ficar só e chorar, de não pensar, de fugir para não sentir. Mas ela está dentro de mim com seu amor, sua lealdade e seu olhar, desde àquele primeiro dia. E tudo isso também me ensina a ir em frente.



Um comentário:

  1. Me emocionei! Maravilhosa escrita, leve e envolvente. Parabéns Rita!

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